O aborto tardio continua

(apesar de protestos do CFM, da CNBB e de parlamentares)

No dia 16 de julho deste ano 2025, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) protocolou uma petição solicitando ao Ministro Alexandre de Moraes que tome providências a fim de que abortos tardios sejam praticados, conforme sua decisão cautelar na ADPF 1141. Pediu, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00:

que o Município de São Paulo reative imediatamente o Programa de “Aborto Legal” do Hospital Municipal Vila Nova Cachoeirinha;

que a UNICAMP pare de encaminhar para o pré-natal mulheres vítimas de estupro com gestação superior a 22 semanas que queiram realizar o “aborto legal”.

Não existe aborto legal

O aborto é um crime “contra a pessoa” e “contra a vida” descrito nos artigos 124 a 128 do Código Penal. As penas variam. Para a mãe, 1 a 3 anos de detenção (art. 124). Para quem provoca o aborto sem o consentimento dela, reclusão de 3 a 10 anos (art. 125). Para quem provoca o aborto com o seu consentimento, reclusão de 1 a 4 anos. Se do aborto resulta lesão corporal grave para a mãe, a pena é aumentada de um terço; se resulta a morte da mãe, a pena é duplicada (art. 127). Há duas hipóteses em que o aborto, sem deixar de ser crime, “não se pune” (art. 128): quando não há outro meio de salvar a vida da mãe (inciso I) e quando a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido do consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (inciso II).

Se não há outro meio de salvar a mãe…

É gravemente imoral a craniotomia, outrora praticada em um parto difícil, quando a criança não conseguia passar pela bacia da mãe para nascer. Tal prática consistia em perfurar o crânio do bebê e aspirar-lhe a massa cerebral a fim de permitir sua saída, obviamente morto, pelo colo uterino. Argumentava-se que não havia outro meio de salvar a vida da mãe. Tal argumento, porém, não convenceu o Santo Ofício, que, em 1884 condenou a craniotomia. Não se pode matar a mãe para salvar o filho nem matar o filho para salvar a mãe. Nunca é lícito matar diretamente um inocente, mesmo que seja para salvar outro inocente. Se um caso como o descrito acima existisse ainda hoje na medicina, deveríamos preparar mãe e filho para a morte com cuidados paliativos, sem nunca atentarmos contra a vida de um ou de outro. Ainda, portanto, no suposto – e hoje, quase fantasioso – caso em que não há outro meio de salvar a vida da gestante, o aborto permanece crime.

Se a gravidez resulta de estupro…

A criança não pode ser injustamente discriminada por ser filha de um pai estuprador. “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (art. 5º, XLV, CF). A pena para o estupro, que é 6 a 10 anos de reclusão (art. 213, CP) não pode passar do pai para o filho. Muito menos pode ser aumentada para pena de morte. Mãe e filho precisam ser acolhidos com amor. Se, ao final da gestação, a mãe não quiser ficar com a criança (o que é raríssimo, pois o sofrimento da gravidez aumenta o amor pelo bebê), não faltarão casais que queiram adotá-lo.

Escusas absolutórias

Em ambas as hipóteses do artigo 128 do Código Penal, não existe um “direito de matar”, mas tão-somente a não aplicação da pena após o delito ter sido consumado. Em direito, isso se chama escusa absolutória. O artigo 181 do Código Penal contém outra hipótese de escusa absolutória, ao isentar de pena o autor de crimes contra o patrimônio (por exemplo, o furto) quando a vítima é ascendente, descendente ou cônjuge do criminoso. Em tais casos o furto permanece crime, mas a lei não aplica sanção penal por considerar que a família é capaz de resolver por si mesma a questão, sem a intervenção da polícia.

Do crime ao direito

Infelizmente, muitos doutrinadores saltam da não aplicação da pena ao direito de abortar e ao dever do Estado de favorecer o aborto. Segundo eles, a mãe vítima de estupro teria o direito de matar o bebê (e o Estado o dever de favorecer a sua morte) durante os nove meses de gestação, uma vez que a lei não põe qualquer limite temporal. O que eles não entendem é que a escusa absolutória, justamente por não tornar lícito o crime, não precisa de pôr limites para a sua aplicação. Por exemplo, o filho que furta do pai fica isento de pena (art. 181, CP), seja o furto de um real ou de cem mil reais. De modo nenhum tal furto é “legal”.

Preconceito de lugar

Houve casos chocantes de bebês que foram abortados, com o dinheiro do Estado, numa idade tão avançada (acima de 22 semanas), que eles teriam sobrevivido se fossem expulsos do útero. Foi necessário matá-los ainda no seio materno com uma injeção de cloreto de potássio aplicada ao coração, para só depois expulsá-los mortos. O objetivo desse cruel procedimento, conhecido como indução de assistolia fetal, é matar a criança dentro do útero (onde, ao que parece, tudo é permitido), evitando que ela nasça viva e vá para o exterior do útero (onde é proibido matá-la). Os defensores do preconceito de lugar são inflexíveis em afirmar que, mesmo uma criança capaz de sobreviver a um parto prematuro ou a uma cesariana, como ocorre após as 22 semanas, pode e deve ser morta enquanto ocupa o lugar intrauterino.

CFM proíbe assistolia fetal

No dia 3 de abril de 2024, o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução CFM nº 2.378/2024, proibindo aos médicos a indução da assistolia fetal quando a criança por nascer tiver mais de 22 semanas de idade gestacional (https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/resolucoes/BR/2024/2378_2024.pdf).

PSOL vai ao STF: a ADPF 1141

No dia 10 de abril de 2024, o PSOL protocolou junto ao Supremo Tribunal Federal uma ação com o objetivo de suspender os efeitos da Resolução do CFM e favorecer a prática do aborto até a hora do parto. A ação recebeu o nome de ADPF 1141 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 1141).

Em 11/04/2024, o processo foi distribuído para o Ministro Alexandre de Moraes, que se tornou relator. Em 17/04/2024, Moraes aceitou o pedido formulado na ação e ainda deferiu o pedido liminar, declarando suspensos os efeitos da Resolução CFM nº 2.378/2024 até o final do julgamento.

Em 24/05/2024, tendo recebido notícias de que alguns bebês acima de 22 semanas não estavam sendo mortos, ou que os médicos que os matavam estavam sendo processados, Alexandre resolveu complementar a medida cautelar para suspender todos os processos ou procedimentos instaurados contra médicos que praticaram a assistolia fetal e proibindo a instauração de novos procedimentos com base na Resolução CFM 2.378/2024.

Em 31/05/2024, o Ministro André Mendonça apresentou um voto divergente, ou seja, não referendando a medida cautelar de Alexandre de Moraes. No mesmo dia, o Ministro Marques Nunes pediu destaque do plenário virtual para o plenário físico. Desde então até agora, não houve mais votos no processo.

Reação do Congresso: o PL 1904/2024

No mesmo dia 17/04/2024, em que o STF suspendeu os efeitos da Resolução 2.378/2024 do CFM, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL/RJ) protocolou o Projeto de Lei 1904, de 2024, com o objetivo de restabelecer, desta vez como lei federal, o disposto na Resolução impugnada. Em resumo, quando a gravidez ultrapassa 22 semanas, o PL 1904/2024 acrescenta um parágrafo aos artigos 124, 125 e 126 para aplicar ao aborto a pena do homicídio simples (reclusão de seis a vinte anos). No artigo 128, um parágrafo é acrescentado para excluir a não punição do aborto quando a gravidez resulta de estupro. O projeto, embora seja excelente, apresenta dois problemas:

1) Foi acrescentado ao artigo 124 um parágrafo 2º, dando ao juiz o poder de mitigar a pena ou mesmo “deixar de aplicá-la”. Assim, por um lado, a gestante poderia sofrer a pena do homicídio simples; por outro, poderia sofrer pena zero. Seria melhor deixar o artigo 124 como está, com a pena de detenção de 1 a 3 anos para a mãe, sem aumentá-la e sem diminuí-la.

2) Ao artigo 128 foi acrescentado um parágrafo que deixa de aplicar a exclusão de pena “se a gravidez resulta de estupro”. Melhor seria se a exclusão de pena deixasse de ser aplicada em ambas as hipóteses do artigo, incluindo “quando não há outro meio de salvar a vida da gestante” (inciso I). Senão, os praticantes do aborto acharão um meio de dizer que, mesmo após 22 semanas, a assistolia fetal é “necessária” para salvar a vida da mãe.

Em 12/06/2024, foi aprovado o requerimento nº 1861/2024, do deputado Eli Borges (PL/TO), solicitando tramitação em regime de urgência para o PL 1904/2024.

Em 14/07/2024, a CNBB emitiu uma nota em apoio ao PL 1904/2024:

Cabe ressaltar que as 22 semanas não correspondem a um marco arbitrário. A partir dessa idade gestacional, realizado o parto, muitos bebês sobrevivem. Então, por que matá-los? Por que este desejo de morte? Por que não evitar o trauma do aborto e no desaguar do nascimento, se a mãe assim o desejar, entregar legalmente a criança ao amor e cuidados de uma família adotiva? Permitamos viver a mulher e o bebê.

[…]

Por isso, a Igreja Católica neste momento considera importante a aprovação do PL 1904/2024, mas continua no aguardo da tramitação de outros projetos de lei que garantam todos os direitos do nascituro e da gestante. Mais uma vez, reitera a sua posição em defesa da integralidade, inviolabilidade e dignidade da vida humana, desde a sua concepção até a morte natural

(https://www.cnbb.org.br/nota-cnbb-pl-1904-2024-debate-aborto/)

Ao majorar a pena para o aborto tardio, o projeto não quer dizer que as crianças abaixo de 22 semanas merecem uma menor proteção. Todas as vidas são invioláveis. Mas o aborto praticado no final da gravidez exige uma crueldade extra, o que justifica uma pena maior.

Urgência demorada

Apesar de tramitar em regime de urgência, até hoje o PL 1904/2024 não foi votado. Isso por que nem o então presidente da Câmara, Arthur Lira, nem o atual, Hugo Motta se dignaram pôr a matéria em pauta.

Também o PDL 3/2025, que susta a Resolução n. 258/2024 do CONANDA (que liberou o aborto para menores de 14 anos até os nove meses e sem o consentimento dos pais) está paralisado. Enquanto isso prossegue a matança dos inocentes.

É preciso pressionar o Congresso para pôr em votação ambos os projetos.

Anápolis, 4 de agosto de 2025

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

Vice-presidente do Pró-Vida de Anápolis.

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